quinta-feira, 5 de março de 2009

Crônica da Cidade

O dia começou tenso. Transito infernal, buzinaço, calçada cheia de gente. Esta é a vida de sexta-feira em Belo Horizonte. Um amigo me pergunta: “rapaz, que dia é hoje?”. Respondo: 1º de Junho. “Cara, daqui a pouco é Natal !!!”, diz.
Esqueço.

Ando pelas ruas de Belo Horizonte e procuro algo para fotografar. A inspiração ainda não aparece, mas havia em mim uma certeza de que, alguma coisa iria dar certo hoje. Fui ao Parque Municipal. O Coreto com os seus ladrilhos vermelhos combinando com as rosas do jardim que o rodeava, me deixavam mais calmo, mais inspirado.

Pronto. Comecei. Vi flores, pássaros, jardins, monumentos que a cidade esqueceu, não sei, mas de alguma forma, via uma tristeza na senhora que estava no banco quebrado; no jovem que olhava intensamente para a ponte do lago que estava pichada.

Descobri algo interessante. Um moço de mais ou menos 60 anos, me disse que em sua época, existia um local no parque onde os burrinhos, que carregavam as crianças nas costas, descansavam à sombra e bebiam água. Era chamada “fonte dos burrinhos”. Corri para lá procurando algo daquela velha BH, que quando eu era criança, brincava na areia do parque com meninos que mal, mal conhecia. Vida boa aquela época.

Decepção. A fonte estava lá, mas mudou. Mudou como as várias reformas feitas pela prefeitura. Reforma plástica, sem vida, retirando a história e a memória de quem gostava daquele local. Me refiz. Saindo do parque, me deu na cabeça de entrar no Othon. Que doideira. Nunca havia entrado aqui. Pasmem, no saguão do hotel havia obras de Guinard.

Comentei com a recepcionista que gostaria de fazer algumas fotos “privilegiadas” do parque do último andar do hotel. Identifiquei-me. Pode subir, disse-me com um aceno. Já no elevador, não consegui conter os risos. Vigésimo quinto andar. “Bacana cara, dá para ver tudo daqui”, disse.

Dali via aquela nuvem cinza de poluição que o dia normal da cidade faz. Via as pessoas andando como formigas, aliás, nos grandes centros olhando de cima, as pessoas são como grandes formigas. Continuei á tirar fotos, parece que os prédios no entorno do parque o vigiava, sufocava, como último resquício de verde no centro da cidade. Chega, disse. Imediatamente fui ver como estavam os antigos cinemas da cidade, Metrópole, Royal, Palladium.

Todos mortos pelo blockbuster dos shoppings. Goiás com Bahia. Cadê o cine metrópole ?. Perguntei a um senhor sentado à praça. “Virou Bradesco, não está vendo. Neste lugar conheci minha esposa. Nos encontrávamos muito aqui. Depois do cinema, íamos ao parque conversar e namorar um pouco”, disse o senhor.

Uma lágrima saiu dos meus olhos. Duas pessoas com saudade de um tempo que não volta. Imediatamente corri à praça sete. Queria ver o cine Brasil, aquele do estilo romântico, projetado como sala de espetáculo de teatro e ao mesmo tempo de cinema. Mais decepção. Quebrado, sujo, abandonado. Como tudo que era importante para muita gente em Belo Horizonte.

Com o coração doído, fui tirando algumas fotos. O cinema onde minha mãe me trazia para ver os últimos lançamentos estava morto. Seu corpo estava ali. Só faltava enterrá-lo. O vermelho do letreiro da fachada não era mais vivo. Estava desbotado. Suas lâmpadas de neon se quer chamavam a atenção das pessoas, que passavam na praça em correria, com os sanduíches à boca, sacolas. Outros gritando para vender suas fotos 3 por 4. Ninguém mais vê o cinema. Ali, tá na cara. Uma lei e aquilo tudo acabou.

Mais uma sala de cinema em um shopping, e toda a história de passagem de vida das pessoas se foi. Um garoto, moreno, sorriso branco, calça Jeans rasgada no joelho, de mais ou menos 16 anos me perguntou: “Aqui moço. Porque o senhor está fotografando este prédio velho ?”. Olhei no fundo dos olhos dele. Me vi naquela idade.

Suspeitei que ele não sabia de nada sobre aquele local. “Que pena, pensei”. Num sobressalto lhe disse: “aqui deixei minha memória de criança. Os filmes que vi e que não via. Aqui meu rapaz, eu corria de um lado para outro, pelas cadeiras do grande cinema, com seus tapetes vermelhos, como o fogo. Eu despistava o lanterninha, para assistir mais uma sessão do filme. Lembro como se fosse ontem. Parecia estar dentro de um outro mundo”.

Percebi que o garoto me olhava intensamente. Me refiz de imediato. E olhando para outro ponto da praça murmurei: “Monumentos como esse garoto, contam a história e vida de Belo Horizonte, onde as pessoas se encontravam, namoravam e se conheciam. Lugares que contam a vida boemia e saudosa da cidade, que a cada dia se desmancha no ar”. Fitando-me , disse: “Ah, sim.. entendo...” E saiu.


Pólio Marcos.